sábado, 12 de fevereiro de 2011

Poema do conto Ligéia





Contempla agora essa noite de gala,
Após recentes anos solitários!
Em que dos anjos multidão sem fala
Aos prantos e em trajos multifários,

Assiste queda ao drama que se instala,
Em tons de medo e de gentis esperas,
Enquanto a orquestra executa a escala
Da música perene das esferas

E que do Deus Altíssimo reflete,
A voz suprema apenas em murmúrios,
Voando para cá e lá repete
Dos fantoches os míseros perjúrios,
Ao comando dos seres mais disformes
Que controlam o cenário mais terrível,
Para trazer, com asas desconformes,
Uma tristeza fatal, mas invisível!

Desse drama confuso que, por certo,
Não poderá jamais ser olvidado!
Seu fantasma, caçado bem de perto
Pela turba, não vai ser alcançado;
Um círculo retorna à mesma dança,
A Loucura constante permanece,
O Pecado perene não se cansa
E o Horror resultante não se esquece!

Porém vê, no meio desta ronda,
Uma forma se arrasta e se insinua,
Uma coisa sangrenta, que se esconde
Na solidão deserta, bela e nua!
Ela se enrosca e treme, em dor mortal,
Os títeres se tornam alimento
E os serafins soluçam no fatal
Espetáculo de sangue e sofrimento.

E as luzes se apagam, uma a uma,
E sobre cada forma palpitante
Desce a cortina, como se costuma,

Com a pressa da tormenta cintilante;
E os anjos todos, empalidecidos,
Erguendo-se, afirmam em horror
Que na tragédia, os Homens são vencidos
E o Verme é o Herói Conquistador!

Poema extraído do conto Ligéia, de Edgar Allan Poe

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