segunda-feira, 31 de outubro de 2011

No meio do caminho tinha uma pedra


Hoje é dia 31 de outubro de 2011, o Dia D, Dia de Carlos Drummond de Andrade, nascido há exatos 109 anos. E, em homenagem a essa data, falaremos sobre uma de suas obras mais conhecidas e enigmáticas: "No meio do caminho" (de uma forma cômica, claro!)

"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra "

O tempo que Drummond gastou escrevendo que tinha uma pedra no meio do caminho, ele poderia ter retirado a pedra e ter ido embora. Aliás, pedras que encontrarmos no meio dos nossos caminhos são tão pequenas que nem precisam retirar, é só passar por cima. E nem causa algo de diferente na gente, a menos que entre nos nossos sapatos. Se o poema ainda fosse: "Dentro do meu sapato tinha uma pedra, tinha um pedra dentro do meu sapato", a pedra faria alguma diferença na vida da pessoa. Ou será que Drummond pisou em uma pequena pedra que se encontrava no meio do seu caminho e machucou seu pé e, em sua homenagem, resolveu eternizá-la em seus versos? Se for, imagina hoje o preço que seria pra adquirir essa pedra, que se tornara tão famosa.

E como seria essa poema, em uma versão extremamente culta? Acho que seria mais ou menos assim:

"No mear do meu percurso tinha um óbice de formato rochoso

tinha um óbice de formato rochoso no mear do meu percurso

tinha um óbice de formato rochoso

no mear do meu percurso tinha um óbice de formato rochoso


Jamais me olvidarei desse evento

na vida de meus receptáculos de imagens tão fatigados

Jamais me olvidarei que no mear do meu percurso

tinha um óbice de formato rochoso

tinha um óbice de formato rochoso no mear do meu percurso"

Parece-me que, no final da poesia, Drummond conseguiu se livrar da maldita pedra e foi embora feliz pra sua casa. Sabe por quê? Por que, se não tivesse conseguido se livrar da pedra, assim seria seu texto:

"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

E agora, José?"


domingo, 30 de outubro de 2011

Padre Miguel, um santo mineiro



Em diversas regiões do interior do Brasil, em especial em anos passados, é comum a população elevar a "santo" pessoas que possuem seu respeito e admiração, mesmo sem fazer milagre algum (requisito para ser canonizado pela Igreja Católica). O texto a seguir contará brevemente a história de um dos diversos "santos" espalhados pelo Brasil. Seu nome era Padre Miguel.
Padre Miguel Afonso de Andrade Leite (seu nome completo) nasceu em 29 de setembro de 1912, no distrito de São Miguel do Cajuru, São João del Rei, Minas Gerais. Ordenou padre em fevereiro de 1938 e foi pároco de São Miguel do Cajuru, São Sebastião da Vitória (outro distrito de São João del Rei) e Barbacena (um município próximo à região). Morreu em 30 de setembro de 1976, na Santa Casa de Misericórdia de São João del Rei. E foi nesse intervalo entre 1912 e 1976 que Padre Miguel se tornou "santo", devido aos milagres que realizava, em prol da rural população das Minas da primeira metade do século XX.
Não foram poucos os seus milagres, mas serão contados apenas seus feitos mais conhecidos. Certa vez, diz os mais velhos, que as fazendas da região foram acometidas pela terrível febre aftosa, e os fazendeiros, aflitos, pediram para Padre Miguel intervir na situação, como padre da Igreja Católica; este, por sua vez, pediu sal aos pobres desesperados, que atenderam ao pedido. Depois de benzer o sal, o padre pediu para dá-lo aos infectados, que sararam tão logo engoliram o sal benzido. Padre Miguel também limpava as plantações de couve das pragas, tão logo as benzia.
E não era só os animais e vegetais que eram ajudados pelo virtuoso "santo", mas também os próprios seres humanos - reza a lenda que Padre Miguel, certa vez, salvou uma criança, que engolira uma farpa e esta estacionara no estômago, apenas com um sinal da cruz; cicatrizou diversas feridas, leves ou não; fez uma criança, muda desde a morte da mãe, voltar a falar, apenas orando em seu nome!; e por aí vai... Contudo, seus milagres mais assustadores foram o de transformar água em vinho, a fim de um casal humilde poder saborear da bebida, na festa de seu casamento, e trazer, momentaneamente, um homem à vida, apenas para este perdoar seu algoz! Há testemunhas em todos os milagres.
Padre Miguel conquistou amigos e inimigos durante sua vida. É lembrado pela população local e adjacentes até os dias atuais, e não é só por seus milagres que esse "santo" mineiro é lembrado; foi um homem bom e virtuoso - sua missão na Terra foi ajudar os pobres e necessitados, e ele fez com muita dedicação!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Um dia diferente



Hoje pela manhã acordei como se um trator tivesse passado por cima de mim – acordei todo doído, cabeça pesada e vontade de voltar a dormir. Tudo naquele dia iria me irritar, qualquer coisa que fosse. Mas o que mais me irritou foi o meu café da manhã, péssimo, diga-se de passagem. Um pão dormido e um café frio. Minha mãe me explicou que, por estar fortemente doente, ela não podia se mexer muito. Mesmo assim, não aceitei desculpas e descarreguei nela o ódio que eu possuía dentro de mim. Aliás, fiquei pior depois do café detestável que tomei.
Saí de casa com bastante fome, em direção ao colégio, mas, precavido e esperto que sou, levei dinheiro para fazer um bom lanche na lanchonete da esquina. Foi quando vi a cena que mudou aquela minha manhã. Não, não foi uma linda garota, porque tampouco a cena era bela. O que eu vi foi uma mulher, esquelética, com uma criança, um pouco mais gordinha que ela, mas nem tão gorda assim, pedindo dinheiro. Ao passar por ela, a mulher me perguntou se eu tinha tempo para ela me contar um pouco de sua vida. Falei rapidamente que não, não tinha tempo para bobagens como aquela. Mas a mulher insistiu e acabei ouvindo. Foi quando eu mudei completamente minha forma de pensar. Ela me contou que seu marido a abandonou com a criança que tinham na sarjeta e ela não come nada, absolutamente nada, a dias, porque tudo o que ganhava, ela dava ao filho. E ela me pediu dinheiro para seu filho comer, não era para ela, era para a criança.
No início, não acreditei, achei que fosse outra mentira de bêbada para conseguir dinheiro, como há tantos no país, mas logo reparei no seu olhar a sinceridade de suas palavras. Em seguida, a cada palavra proferida por aquela mulher que martelava em minha cabeça, era uma agulhada no meu peito. Naquele instante, veio-me na cabeça as lembranças dos meus atos naquele dia que logo começara e vi que, meu dia era ruim, mas a vida da mulher era pior. Eu tinha casa, família, dinheiro para, pelo menos, comer, enquanto a mulher levava uma vida péssima, famigerada, jogada na sarjeta, mas, mesmo assim, não desistia nem reclamava. Minha raiva toda sumiu e me tornei aquilo que acredito que jamais uma pessoa comum seria – ser humano: chamei-a para ir até a lanchonete onde eu ia comer e dei-lhes – a ambos – um delicioso lanche, onde saí mais satisfeito do que se eu tivesse me alimentado.

domingo, 16 de outubro de 2011

Faculdade de Política



Quase todos os empregos de hoje em dia, para o empregador bem efetuá-lo, exige do mesmo que ele tenha um curso, normalmente técnico ou um superior. Um dos poucos empregos que não tem curso é a política. Entretanto, agora saiu a nova faculdade de política. As aulas virão abaixo, explicando, em seguida, o porquê de ele estar neste curso:

ARROGÂNCIA I E II – alguém já viu algum político modesto? Modéstia e política são antônimos entre si. Qual político não acha que tem o rei na barriga e que pode mandar em todos?

CORRUPÇÃO I A VII – a principal aula do curso de política. Alguém conhece um político que não rouba? É a mesma coisa de ver um leão vegetariano. Faz parte da consciência do político a artimanha da corrupção. Por isso precisam de sete períodos para ensinar o melhor jeito de roubar.

FORMULAÇÃO DE LEIS RUINS – alguém conhece um político que sabe fazer leis? Não, político não sabe fazer leis que preste, porque é político, não é operador de direito. Portanto, todo político tem que saber fazer uma lei ruim, que prejudica o povo

PERMANÊNCIA NO PODER I, II E III – político ama o poder, isso ninguém pode negar. Pode acontecer escândalo, pode acontecer CPI, pode acontecer qualquer coisa, mas o político não sai do poder. Se deixar, passa até cola na cadeira onde assenta para dali nunca sair. Fora as inúmeras reeleições; têm políticos que estão no mesmo cargo 10, 20, 30 anos.

VIAGENS NO EXTERIOR – político que é político ama viajar pelo mundo à custa do povo. Todo político acha que mora nos EUA, na França, em Mônaco, menos no Brasil, porque o último lugar que você encontra um político é no Brasil

FUNÇÃO IRREAL DO ESTADO – algum político tem a noção pra que serve o Estado? Que ele serve para dar direitos fundamentais ao cidadão, como lar, lazer e comida, político nenhum sabe. Todo político acredita que o Estado serve para dar-lhe poder e dinheiro, esquecendo completamente da população.

AUMENTO DO PRÓPRIO SALÁRIO I E II – todo político sabe aumentar o próprio salário. Qual político não faz isso? Político que é político sabe aumentar o próprio salário. Agora, aumentar os dos outros...

IMPOSTOS I E II – outra aula importante do curso de política. Todo político que se presta sabe aumentar os impostos. Afinal, quanto mais impostos o Estado arrecadar, mais dinheiro pro seu bolso vai durante o decorrer do mandato, certo?

SUPERFATURAMENTO – matéria optativa para membros do Legislativo e obrigatório para membros do Executivo. Todo membro do Executivo que se presta sabe superfaturar um hospital aqui, uma escola ali, uma estrada acolá... afinal, quanto mais dinheiro for arrumando durante o mandato, melhor, certo?

DESVIO DE VERBAS – importantíssimo essa aula. Político que é político desvia verbas. Não existe um político que não saiba fazer essa artimanha com maestria.

ELABORAÇÃO DE DISCUROS CONVINCENTES – claro, todo político tem que ter um discurso convincente. Como ele consegue se manter na política fazendo nada pra população e aqui sendo uma democracia? Fazendo discursos convincentes, que ludibriam boa parte da população, que vota nele e ele ganha as próprias eleições. Político que é político sabe ter lábia.

IMPUNIDADE I E II – a última, mas não menos importante, aula da faculdade de política. Impunidade. Qual político não é impune? Alguém já viu político ser preso? Ser julgado, condenado, cassado ou tudo mais? Não, porque políticos são mestres na artimanha de serem impunes. Agora, vai eu roubar meu vizinho, pra você ver a força da minha impunidade...

sábado, 15 de outubro de 2011

As Palavras de Um Anjo - Parte III



Não deixe de ler a primeira parte desta história escrita por Rodrigo Picon antes de continuar.

- COMO É QUE É?! – gritou Stan, do outro lado da linha. Estava surpreso em demasiado, e quase fiquei surdo com seu grito. Sabia que Stan ficaria daquela forma ao lhe contar a minha insana ideia.
- Foi o que você ouviu! – eu disse. Tentava me mostrar sereno, mas até eu sabia da insanidade de minha ideia
- Você está louco, Dan? Sabe que não pode fazer isso, ou vai comprar briga com todo mundo de Jade. E vai acabar arrumando briga para a pobre da menina.
- É a única solução, Stan. Não vejo outro jeito de ajudar! – eu disse. Segurava para não transparecer minha melancolia, contudo, não consegui segurar minhas lágrimas, que insistiam em sair de meus olhos
- Não é só porque o caso é desesperador, que precisa fazer isso. Além de imoral, isso é ilegal, Dan. E foi você mesmo que me contou como o povo de Jade é nessas questões. Vai deixar a pobre menina mal vista pela cidade.
- Você não entende, Stan...
Percebi Stan respirar fundo do outro lado da linha.
- Eu sei que você quer ajudá-la, Dan, mas pense bem no que está fazendo. Ou você pode se arrepender amargamente no futuro! – disse, mais calmo
- Não tem outro jeito...
Percebi Stan respirar fundo novamente.
- OK, você é quem sabe. Espero que saiba o que está fazendo!
- Eu sei, Stan, eu sei. Eu sei mais do que todo mundo...
Despedimo-nos um do outro e desliguei o telefone. Joguei meu corpo exausto sobre uma das duas confortáveis camas do quarto, lado a lado ao aparelho telefone. Fiquei inerte, fitando o teto do recinto por longos segundos, enquanto pensava. Depois da conversa com Stan, hesitei-me em realmente ajudar Clarinha daquela forma. Todavia, quando terminei meus pensamentos, revigorei minha ideia. Agora era preciso colocar em prática, o que era a parte mais difícil.
Respirei fundo, levantei meu corpo da cama e tomei a posição de sentado, ainda no mesmo lugar. Peguei o telefone, disquei alguns poucos números. Chamou por algumas vezes, antes de alguém atender.
- Alô? – disse alguém, do outro lado da linha
Engoli em seco. Era necessário agir, naquele instante.
- Olá... Poderia falar com o Sr. Carlos Albuquerque?
Era manhã do dia seguinte. Minha estada por Jade já ultrapassara o tempo limite, e eu precisava retomar minha vida em Cansul, entretanto, não podia, simplesmente, largar Clarinha no estado em que ela se encontrava. Não de novo.
Tão logo findei meu desjejum, parti em direção ao hospital, a fim de encontrar Clara e dar-lhe as boas novas. Por mais inacreditável que fosse, o plano havia dado certo. Só faltava agora a última parte, Clarinha aceitá-lo. Não seria uma tarefa fácil, principalmente por não ter conseguido convencer nem mesmo Stan, que se encontrava do lado de fora do turbilhão.
Cheguei ao hospital. Clarinha andava desordenadamente pelo hospital, aflita. Queria que tudo acabasse logo, não aguentava mais passar por aquela desgraçada situação. Tão logo minha amiga me vira, correu em minha direção e abraçou-me. Fui pego de surpresa, não esperava ser abraçado tão calorosamente por Clara, por isso a demora em lhe responder. Quando percebi que a minha amiga debulhava em meu ombro, desesperei e logo lhe perguntei:
- Aconteceu alguma coisa?
Temia o pior. Entretanto, felizmente, o pior não veio.
- É tão bom vê-lo... Preciso muito de um amigo para me apoiar!
- Você confia em mim? – perguntei, de inopino. Não parece ser uma resposta à sua frase proferida, e aquilo acabou por surpreender momentânea Clarinha, que se desvencilhou de mim, e fitando meus olhos, perguntou, levemente assustada com minha indagação:
- Por quê?
- Eu tenho uma boa notícia, mas preciso que confie em mim!
- Fala!
Respirei fundo, engoli em seco e disse:
- Eu convenci meu pai a ajudar seu irmão no tratamento! Se você assim desejar, seu irmão tratará no melhor hospital de oncologia do país!
As minhas palavras soaram como um filme de terror em Clarinha, tamanho fora sua surpresa no findar de minha frase.
- SEU PAI?! – gritou. Ao perceber se encontrar em um hospital, baixou o tom de voz: - Seu pai?! Você sabe não quero envolvê-lo nisso!
- É a única coisa que eu posso fazer, Clarinha.
- Sabe que o povo de Jade não vai gostar muito de saber que fui ajudada pelo seu pai!
- Meu pai não usará a profissão para lhe ajudar, usará dinheiro dele próprio!
- Sabe que, para o povo daqui, isso tanto faz...
- O que é mais importante: uma má reputação momentânea ou a vida do seu irmão?
Aquela frase minha soou como uma facada no peito de Clara. A minha amiga hesitou por alguns segundos, pensou, pensou, e eu nada fiz para forçá-la a acelerar sua decisão. Esperei, e esperaria por quanto tempo fosse, ela tomar sua decisão.
Clara respirou fundo. Não estava gostando da ideia de tomar aquela decisão, entretanto, percebeu ser necessário. A vida de seu irmão era mais importante que qualquer coisa em sua vida.
- OK! Eu aceito! – disse. Tentou ser o mais breve possível.
Um sorriso estonteante apareceu em meu semblante, e logo por ali reinou.
- Avisarei os médicos para começar os procedimentos de transferência. Ela ocorrerá em 24 horas!
Clara estava cabisbaixa. Ainda não aceitava a ideia de ser ajudada por meu pai.
- Está certo – ela disse
- Tenha fé, Clarinha. Tenha fé.
Saí do local a fim de começar os procedimentos de transferência.
O dia havia se passado como um vendaval, tamanha sua velocidade. Já era o cair da tarde e eu, exausto, me encontrava deitada em uma espreguiçadeira, à beira da piscina do hotel, lendo um bom livro. Eu me encontrava demasiadamente feliz por ainda ter alguma esperança de o irmão de Clarinha sair vivo.
Entretanto, o restar do meu dia não seria tão feliz como aquele findar da tarde. Eis que meu celular, que se encontrava ao meu lado, tocou. Peguei-o e atendi, sem nem mesmo ver o número. Naquele instante, meu coração gelou; pensei ter acontecido algum problema nos procedimentos de transferência, que a mesma teria de ser cancelada. Lego engano.
- Boa tarde! – disse a pessoa do outro lado da linha. Parecia sério, e aquilo gelava ainda mais o meu coração
- Boa tarde. Em que posso ajudá-lo?
- Sou médico do hospital da cidade de Jade. Com quem eu falo?
- Daniel!
- Pois bem, senhor Daniel, é o senhor mesmo com quem desejo falar!
- Aconteceu alguma coisa?
- Sim! – respondeu. Meu coração apertou-se em meu peito. - Estou aqui para avisar do falecimento do garoto Eduardo Henrique de Almeida.
Naquele instante, fiquei estupefato. Meu coração gelou e uma melancolia incomensurável tomou conta do meu corpo e logo por ali reinou. Não consegui acreditar que, mesmo depois de tudo o que fizemos para salvá-lo, ele havia falecido.
Ao perceber meu silêncio do outro lado da linha, o médico disse:
- Meus sentimentos!
Precisava mostrar-me sereno, não só para o médico com quem eu conversava no telefone, mas precisava para Clarinha, senão não conseguiria ser-lhe um apoio para aquele momento tão difícil.
- Só não entendo uma coisa... por que ligou para mim avisando, e não para a irmã dele? – perguntei, tão logo essa dúvida apareceu em minha mente
- Ela se encontrava no hospital quando do falecimento de seu irmão. Como ela correu tão logo tudo aconteceu, achei melhor avisar a alguém na cidade. Ao procurar por familiares, percebi estar somente o número do seu celular.
- OK, obrigado por me avisar. Eu vou procurar por Clara. – disse. Despedimo-nos e, em seguida, desliguei o celular. A minha mente ainda não conseguia acreditar na ideia de que o irmão de Clarinha havia falecido.
Clara estava de pé em uma grande rocha e debulhava as mais sinceras lágrimas. À sua frente, um gigantesco vão, de mais de setenta metros de altura, onde se encontrava a cidade de Jade. Logo atrás, um paredão, onde se dava para chegar o alto da montanha.
- Finalmente te encontrei! – eu disse. Ofegava; a trilha para chegar ao local era mui íngreme e, no iniciar da noite, transformava-se em igualmente perigosa
- Como me encontrou?
- Sou seu amigo de infância, Clarinha! – eu disse, enquanto caminhava em sua direção
- O que faz aqui? Deixe-me em paz! – disse, ríspida
- Fiquei sabendo do acontecido! – eu disse, parado a cerca de cinco passos de minha amiga
- Se veio me consolar, pode ir embora.
- Não vim te consolar.
- Acabou, Dan. Não tenho mais como viver. Não tenho mais ninguém nesta vida!
- Você tem a mim, Clarinha!
- Deixa de conversa, Dan... logo, logo você volta para Cansul e vai me largar aqui sozinha!
Clarinha deixou-me em completo silêncio; não havia argumentos a dizer naquele instante.
- Mesmo assim, arrancar a própria vida já é demais!
- E de que adianta viver, prolongar esse sofrimento...
- Acha que é assim, que vai morrer e pronto? É tão egoística a sua atitude!
Clara surpreendeu-se com minha frase e emudeceu.
- Você quer morrer para se eximir do fardo de aguentar o restar dos seus dias a dor da perda do seu irmão, mas já passou pela sua cabeça que a sua morte gerará o mesmo sofrimento nas demais pessoas? E pior, seu irmão morreu porque assim Deus quiser, por uma fatalidade, por culpa da própria natureza, mas por pior que ele se encontrava, ele sempre foi forte e esperançoso, sempre acreditou que conseguiria viver daquela forma... um fardo todos nós carregamos, mas a diferença entre um vitorioso e um derrotado, um forte ou um fraco, é saber se conseguimos viver carregando por toda nossa existência esse fardo ou não...
Deixei novamente Clara emudecida. Entretanto, naquele instante, julguei não ser necessário continuar atacando-lhe com palavras de efeito, mas sim emudecer-se de forma idêntica a ela e esperar sua decisão.
Para minha surpresa – e felicidade -, Clara virou-se em minha direção, ainda com os olhos inundados de lágrima e correu até mim, jogando-me em meus braços. Em seguida, debulhou-se novamente em lágrimas.
- Obrigada! Obrigada por me fazer ter esperança!
- Agora vamos sair deste lugar perigoso e vamos para casa! – eu disse
- COMO É QUE É?! – perguntou Stan, aos berros, do outro lado da linha. Parecia que eu tirei o dia para dar notícias surpreendentes a meu amigo
- Infelizmente, é o que você ouviu! – eu disse. Estava deitado em uma das camas do quarto de hotel onde eu me encontrava hospedado
- Que ruim, cara... – disse Stan – E nem deu tempo de usar a ajuda concedida pelo seu pai!
- Pior que é verdade.
- Já avisou a ele?
- Sim, avisei-o tão logo saí do penhasco...
- Penhasco?!
- A Clarinha estava no lugar onde ficávamos quando criança! – assim disse para ele
- Entendo... – percebi que Stan não engolira completamente a história – E seu pai? Como ele reagiu?
- Como de sempre... – respondi, seco – Parecia até que a culpa da morte do menino foi minha!
- Imagino... – parou por alguns instantes – Bom, obrigado por ter me avisado! Manda meus pêsames para Clarinha...
- Mandá-lo-ei! Pode ficar tranquilo!
Despedimo-nos e, em seguida, desliguei o celular. Larguei-o ao meu lado e comecei a fitar o teto do recinto. Divagava, pensava no que eu faria dali em diante, principalmente em relação à Clarinha, que agora se encontrava solitária.
Não percebi em que momento que aconteceu, mas adormeci naquela posição, e acordei no soar do despertador meu celular, logo no início da manhã. Levantei-me da cama e parti em direção ao banheiro. Iria tomar banho, me arrumar, descer ao restaurante para fazer meu desjejum e, em seguida, ir ao enterro do irmão de Clarinha. Queria evitar a todo custo este doloroso momento de despedida, mas era necessário, e não dava para adiá-lo.
Cerca de uma hora, uma hora e meia depois, cheguei ao local onde seria o velório do irmão de Clara que, diga-se de passagem, era a antiga casa do garoto. E como mudou a casa nesses anos que eu não a frequentei. O local cresceu, novos cômodos foram incorporados, havia móveis novos em praticamente todos os cantos da casa... nem parecia a mesma casa por mim frequentada quando criança.
Tão logo eu adentrei no local, que já se encontrava cerca de dez a quinze pessoas, Clara, que se encontrava sentada ao lado do caixão aberto, levantou-se e caminhou às pressas em minha direção. Abraçou-me forte e agradeceu, no pé do meu ouvido, por minha presença, antes de debulhar em meus ombros. Afaguei seus cabelos. Precisava ser seu apoio naquele momento difícil, e eu seria.
Fiquei ao lado de Clara por toda manhã, servindo-lhe de apoio moral. No findar da manhã, segui o cortejo até o cemitério, onde ocorreu o enterro do garoto. Clara ficou até depois do enterro, quando todos já haviam partido do local. Sentara-se ao lado do túmulo de seu irmão e lá se encontrava desde o momento em que os coveiros fecharam a sepultura.
- Vamos? – perguntei. Sentia-me desconfortável estando sozinho em um cemitério vazio
- Já vou. Deixe-me aqui só por mais alguns minutos. Por favor! – ela disse
Sentei-me ao lado dela, sem nada dizer. Ela virou o foco do olhar para mim, e ficou me fitando por alguns segundos. Sentindo-me embaraçado diante a situação, perguntei, sorrindo timidamente:
- Quer falar alguma coisa?
- Queria agradecer! – disse, com um sorriso tímido no rosto – Você sempre foi meu apoio moral! – ela disse, estendendo a mão para mim. Segurei-a e afaguei-a por alguns segundos. Como era macia sua mão, e como era gostoso tê-la entre meus dedos.
- Você sabe que sempre pode contar comigo!
- Você é meu anjo, Dan. Um anjo que eu sempre carregarei aqui – apontou para o seu coração – no meu coração. Você só pode ser meu anjo da guarda. Quem mais faria tanta coisa por uma pessoa?
Meu coração estava a mil naquele instante. Sentia a necessidade de dizer a ele algo que nunca tivera coragem nestes tantos anos que nos conhecemos.
Engoli em seco e disse:
- Um apaixonado, talvez.
Naquele instante, envergonhei-me diante à minha ação. Senti-me um tolo por ter proferido aquelas palavras.
- Desculpa, eu não quis... – tentei consertar de imediato
Entretanto, já era tarde demais. Clara escutara com perfeição minhas palavras e percebi que a mesma se encontrava estupefata.
- Eu... não... sabia!
- Desculpa não ter te contado antes! – eu disse. Fiquei cabisbaixa e virei o rosto para que minha amiga não fitasse meu rosto
- Eu... não... – lágrimas voltaram a tomar conta de seu rosto. Correu, tendo um impulso inicial inimaginável. Fui pego de surpresa; quando a ação de Clara foi processada em minha mente, a mesma já se encontrava demasiadamente longe.
- Clarinha! – gritei, apenas
Levantei-me e corri atrás dela, enquanto atravessávamos a passos largos o cemitério.
- O que aconteceu, Clarinha?
- Não é nada! – respondeu. Percebi, pelo seu tom de voz, que se encontrava debulhando em lágrimas
- Conte-me. Sabe que quero te ajudar!
- Acabou, Dan. Acabou!
A frase de Clarinha surpreendeu-se. Como assim, Acabou?!, me perguntei. Mil perguntas apareceram na minha mente e acabaram por me desacelerar gradativamente, até eu me encontrar novamente parado, vendo Clara partir a mil para longe de mim.
- Clarinha! – eu disse
Caminhei pela cidade à procura de Clarinha por incontestáveis minutos, cerca de trinta ou quarenta. Enquanto caminhava, tentava entender a reação de Clarinha. Imaginei que ela tivesse alguma suposição, ao menos, de meu amor por ela, uma vez que eu a beijara algum tempo atrás, antes de tudo acontecer com seu irmão.
Entretanto, não logrei êxito e, em seguida, voltei para o hotel onde eu me encontrava hospedado. Almocei e em seguida voltei para o meu quarto. Senti-me como nos primeiros dias de estadia em Jade, pois sabia que teria de repetir aquela minha corrida insaciável à procura de Clara. Contudo, o que aconteceria dali em diante eu nunca teria imaginado.
Adentrei em meu quarto e rapidamente me joguei sobre minha cama. Queria descansar; por mais que descansava, toda aquela situação roubava minha energia por completo. Entretanto, ao me jogar na cama, percebi que alguma coisa retangular, de pequeno porte, se encontrava sob minhas costas, entre minhas omoplatas. Levei a mão direita ao local e de lá retirei um objeto, que logo percebi ser meu celular.
- Ainda bem que te achei... achei que tinha te perdido na rua! – eu disse, para meu celular, enquanto eu fitava sua tela. O celular se encontrava à frente do teto, sob minha ótica de visão.
Naquele instante, percebi ter recebido uma mensagem.
- Uma mensagem... – eu disse. Abri-a. Naquele instante, fiquei estupefato. Ergui as sobrancelhas, tamanha surpresa. Estava escrito, no início do texto: “Não dá mais, Dan”.
Corria pela cidade, atravessando-a como podia. Veio em minha memória o texto da mensagem por completo, e perguntava-me o porquê daquilo:
“Não dá mais, Dan. Eu juro que tentei, mas não suporto ver meu último apoio para aguentar meus problema deste mundo partir novamente; prefiro eu mesma partir. Juro por tudo o que é mais sagrado, Dan, que tentei aguentar a perda do meu irmão, mas não deu. Não tenho mais ninguém neste mundo além de você, mas até você logo, logo partirá para Cansul e ficarei aqui sozinha. Amo-te como nunca amei outro homem nesta vida, e não aguentaria vê-lo partir novamente. Perdoe-me, Dan, por eu ter sido tão egoísta. Do fundo de seu coração, me perdoe. Você é meu anjo, sempre foi e sempre será. Adeus, Dan!”
Lágrimas escorriam de meu rosto a cada vez que eu me lembrava daquela mensagem. Imaginei que Clara só poderia se encontrar em um local, e para lá eu corri.
Eu não possuía um fôlego de atleta e, depois de atravessar a cidade inteira correndo e subir uma trilha demasiada íngreme, ao chegar a seu final, encontrava-me com o coração prestes a enfartar. Minha respiração ofegava consideravelmente. Pensei em esperar por alguns segundos até minha respiração e meu coração voltarem ao normal, entretanto, ao fitar o local e perceber que o mesmo se encontrava vazio, revigorei meu corpo e corri em direção, em total desespero, até a borda do penhasco. Naquele instante, veio em minha mente o que eu mais temi durante minha corrida pela cidade: a dor da perda.
Do alto do penhasco, fitei o corpo de Clara, jogado entre várias pedras, com imensas fraturas e hematomas pelo corpo.
Comecei a debulhar em lágrimas, ajoelhado diante o local, em pose de redenção. Minha mente não conseguia aceitar perder Clarinha, e não foi por algum tempo, por algum momento, ou ter a esperança de algum dia vê-la novamente, como sempre aconteceu em minha vida; agora era diferente. Eu nunca mais, em momento algum, veria Clarinha novamente. Gritei um longo e sonoro “Não!”.
Eu não iria suportar o fardo de viver o restar dos meus dias sem a minha querida amiga e o amor de minha vida, principalmente por saber que eu fui fraco e incompetência. Como seu querido amigo de infância, não consegui impedi-la de assim agir. Aquela situação estava deixando-me louco, não estava aguentando a dor da perda. Eu era fraco, incrivelmente fraco! Nunca consegui aguentar fardos; é como bem dizem – aquele que muito fala, nada faz. E eu realmente era aquele tipo de pessoa, que só falava, que fazia discursos eloquentes, mas que agia totalmente diferente.
Estranhamente, comecei a rir. Diante da perda incomensurável sofrida por mim, meu cérebro não aguentara e começara a se ensandecer. Ri, loucamente. De um riso tímido passei a dar gargalhadas profundas.
- Meu amor – levantei-me. Abri os braços, a um passo do penhasco – Meu amor, agora poderemos viver eternamente, como sempre quisemos, sem nada para nos atrapalhar!
- disse, antes de relaxar meu corpo e o mesmo tombar para frente
2 meses depois...
Stan estava no alto do penhasco das montanhas envoltas à pequena cidade de Jade. Ao seu lado, um homem, de seus quarenta e poucos anos, cabelos grisalhos, cenho fechado e usuário de terno preto. Na beirada do local, havia um par de cruzes, de cerca de um metro de altura. Em seus pés, diversas flores.
- Cá estamos! – disse Stan, assim que chegou junto do senhor de terno
- Eu ainda não entendo – por trás do rosto fechado, se encontrava, naquele instante, um homem melancólico diante os acontecimentos – Por que Dan faria isso?
- Não sabe, senador? – perguntou Stan – Deveria, então, ter conhecido melhor seu filho. – Stan deu uma pausa – Dan era extremamente apaixonado por essa menina, desde antes de sair de Jade. Quando vocês saíram daqui, por iniciativa sua, se eu não me engano, ele lhe odiou pelo resto de seus dias. E, por mais que tivesse outras namoradas, Dan nunca esqueceu Clarinha. Tentou não mais voltar em Jade para tentar esquecê-la, mas não conseguiu e, depois de longos dez anos, cá voltou. Encontrou-a; entretanto, o destino de ambos foi-lhes cruel e acabou por deixá-los eternamente juntos... do outro lado da vida!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Um certo violão...




Numa cidade muito longe existia um pobre menino que tinha um sério problema de gagueira. Aquilo o incomodava muito pois quase todas as pessoas de sua pequena cidade não conseguiam entender ao certo o que ele falava. Por essa razão a cada dia ele ia se isolando mais e mais dos outros. Fazia isto apenas como uma forma de se proteger das brincadeiras, ignorância e da falta de paciência dos que não o entendiam aquela pequena característica que o diferenciava.

Certo dia o seu pai voltando do emprego resolveu comprar um violão de um velho senhor. O estado daquele instrumento não era o dos melhores. Tinha algumas rachaduras e descascados porém o som ainda saia perfeitamente.

Quando entrou em casa com aquele instrumento logo despertou a curiosidade do menino que por algum tempo andava cabisbaixo. Seu pai chegou e lhe deu o violão. O menino logo abriu um sorriso enorme como a muito tempo não fazia e na mesma hora tentou fazer algum som com aquele instrumento. Não conseguiu fazer muita coisa naquele momento mas nunca desistiu de aprender. Dia após dia estava lá o menino e o violão. Ninguém aguentava mais ouvir aquele barulho infernal o dia inteiro.

Mesmo com a desconfiança dos outros. O pobre menino seguiu em frente. Ora bolas, como aquele garoto tão calado poderia tocar um violão? Mas foi neste ponto que todos se enganaram.

Ao passar do tempo ele foi aprendendo a fazer acordes simples e dai em diante resolveu compor algumas músicas mesmo não tendo nem ideia de como fazia. Mas isto não foi empecilho para ele. As letras saiam de sentimentos que tinha vivido. Era difícil escolher qual das letras era a melhor. A carga sentimental do garoto era enorme e a sua imaginação única. E mesmo com aqueles acordes tão simples ele conseguia transmitir uma energia que encantava qualquer um. Foi assim que ele conseguiu diminuir drasticamente a dificuldade de se comunicar com os outros. Aliás será que o problema era dele mesmo? Hoje ele pode dizer o que pensa na mais pura melodia e a suas mensagens são levadas para todos os lugares através do som de suas músicas.

O pobre menino mostrou que não tinha nada do que se esconder e que na verdade a palavra pobre não era o adjetivo mais indicado para ele. Pois pessoas especiais como ele possuem uma riqueza que poucos tem. A  sensibilidade de transmitir emoções.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O INVASOR



A chuva forte caía do lado de fora. O céu estava rubro, o que indicava que a precipitação arrastar-se-ia por toda a noite. Relâmpagos aconteciam a todo instante, iluminando, mesmo que momentânea e parcialmente, o meu recanto.
As luzes de minha casa estavam todas apagadas, e eu repousava meu corpo cansado sobre minha cama, envolto em um número considerável de lençóis. Aquela noite de inverno, mergulhada em um forte temporal, estava com uma temperatura mui fria.
Já se passava da meia-noite, e havia pouco mais de quatro horas que a minha cidade estava sendo castigada pela forte chuva. E, ao que tudo indicava, não parecia terminar durante as próximas horas; talvez até ultrapassasse o limite da noite, adentrando na manhã seguinte com mesma intensidade.
Tudo estava quieto em minha casa, exceto pelo barulho constante da chuva e dos trovões do lado de fora, que ecoavam por todo o espaço inteiro. Entretanto, repentinamente, para meu desagrado, eis que surge um barulho advindo de dentro de meu recanto. Era algo caindo, a primeiro momento. A primeiro momento, porque, logo em seguida, o barulho tornou-se contínuo, o que impossibilitava ser algo caindo.
Acendi a luz do abajur do meu quarto. O barulho estava suficientemente alto, alto o suficiente para se tornar nítido. Era o barulho constante de móveis arrastando-se pela casa. Fiquei estupefato. Morava sozinho, não tinha a menor condição de ter alguém arrastando os móveis de minha casa, exceto para furtar para si.
Meu coração apertou-se no meu peito. Um bandido, na minha casa, àquela hora, comigo sozinho? Estava desarmado, não tinha nada na qual eu poderia me defender. Facas e vassouras se encontravam do outro lado da casa, após o perigo. Para pegá-las, teria que, primeiramente, enfrentar o perigo, o que, na prática, tornava-me desarmado da mesma forma.
O barulho se encontrava no corredor onde desembocava o meu quarto, vindos da direita, onde se encontrava minha sala de estar. Por essa razão, caminhei vagarosamente pelo meu quarto, dando passo por passo, passo por passo, passo por passo... Poderia ter acendido a luz geral do meu quarto, entretanto, era mister ficar escondido, à espreita do bandido, e pegá-lo em momento oportuno.
Meu coração apertava-se no meu peito cada vez com mais intensidade, parecia que iria explodir, minha respiração tornava-se ofegante. Como era odiosa aquela sensação de medo, de temor, quando invadia todo o seu corpo, principalmente quando o mesmo se encontra exausto e procura incessantemente o repouso. Maldita sensação de impotência!
Cheguei à frente da porta do meu quarto, que se encontrava com uma nesga aberta. Projetei minha cabeça a esta ficar frontalmente colocada à nesga e espreitei o corredor. A primeiro momento, o local se encontrava completamente vazio; entretanto, o mesmo se encontrava quase que totalmente encoberto pela escuridão da noite, o que impossibilitava o meu trabalho em grande parte do corredor.
Naquele instante, sobressaltei. Um barulho mais forte, vindo da parte oposta do corredor, adjacente ao local onde me encontrava, fez meu coração praticar saltar para fora do meu peito. No mesmo instante, às pressas, escondi-me atrás da porta. Esperei o desenrolar dos acontecimentos naquela posição, enquanto recuperava a frequência de minha respiração.
Alguns poucos minutos se passaram e o corredor foi tomado por um sepulcral silêncio. Temi diante a situação. Com a escuridão reinando no recinto somado ao silêncio sepulcral reinando de forma idêntica, o invasor poderia agir da maneira como aprouver; tornava-se impossível descobrir sua localização de imediato.
Naquele momento, veio, como em um flashback, a visão de um valioso vaso da era Ming. Lembrei-me se tratar do valioso vaso que eu possuía em casa, na sala de estar, que passou de várias gerações até eu receber como herança. E o valioso vaso se encontrava exatamente no local onde o barulho outrora se encontrava. Fui tomado por um majestoso ímpeto, o temor e o medo desapareceram e meu corpo revigorou-se. Abri a porta do meu quarto e disparei em direção ao corredor. Contudo, meu ímpeto nada durou. Tão logo adentrei no corredor, vi uma silhueta no final do corredor. Naquele instante, meu ímpeto desapareceu de meu corpo e o mesmo foi retomado pelo ódio e temor. Escondi-me rapidamente em meu quarto e lá permaneci, atrás da porta, por longínquos segundos, enquanto os efeitos do susto não desapareciam do meu corpo.
- Só me faltava essa... – pensei. Deveria ter corrido para outro lado; naquele instante, me encontrava completamente cercado.
A chuva continuava reinando no exterior da minha casa. Os relâmpagos caíam impetuosamente. No interior do meu recanto, passos vindos do corredor ecoavam por toda a casa. Eram passos vagarosos e pesados; o intruso parecia calçar um coturno ou algo semelhante.
Repentinamente, para meu momentâneo desagrado, eis que meu celular toca. No silêncio sepulcral que se encontrava meu recanto, o barulho do toque do meu aparelho ecoou por todo o canto. Corri às pressas para atendê-lo. Injuriei horrores a pessoa que estava me ligando, não tinha momento mais inoportuno para ligar-me.
Segurei meu celular e fitei sua tela. Um número desconhecido, não tinha nome na minha agenda e não o conhecia. Era de um DDD diferente, de um estado diferente. “Só me faltava essa”, pensei. Como se não bastasse ter um invasor na minha casa em uma noite de chuva forte, ainda tem outro me ligando sabe-se lá da onde.
- Alô? – sussurrei, ao atender o celular
- SAIA DAÍ IMEDIATAMENTE! – gritou a pessoa do outro lado da linha. A voz parecia ser feminina, mas, devido às circunstâncias, não davam para perceber
Fiquei estupefato com o que ouvi, e sobressaltei. Como assim, saia imediatamente? E como pessoa sabia que eu me encontrava em risco?
Entretanto, não deu para nada reagir, nem mesmo esboçar em meu semblante minha reação. No instante seguinte ao grito, um estranho barulho, como de uma turbina de um avião, reinou sobre o silêncio sepulcral na qual se encontrava meu recanto e, no instante seguinte, inexplicavelmente houve uma explosão dentro da minha casa. O cerne parecia ser o corredor, pois estava de costas para a parede que delimitava meu quarto com o corredor e fui arremessado para frente. Caí, sob uma chuva de escombros, lado a lado com meu celular. Estava protegido por um fragmento de parede, que me impediu, tanto a mim quanto a meu celular, de serem esmigalhados pela chuva subsequente.
Perdi a consciência tão logo caí no chão. Não me lembro exatamente de nenhum fato subsequente à minha queda no chão. Lembro-me apenas de escutar os fragmentos da minha casa caírem ao chão, como em uma verdadeira chuva, antes de me sentir submerso por uma imensa quantidade de água. Contudo, não se tinha o exato discernimento se era fato real ou imaginário.
Acordei sabe-se quanto tempo após o fato, com um feixe de luz no meu rosto. Franzi o cenho e, como a luz se encontrava mui forte, acabei por abrir os olhos. Percebi já ser dia, e eu não me encontrava mais submerso em uma grande quantidade de água, situação semelhante ao fragmento da parede que me protegera na noite anterior. Tentei levantar meu corpo, contudo, minha cabeça girava, tentando encontrar um local para se fixar, e as juntas do meu corpo rangiam furiosamente, provando a exaustão que o mesmo se encontrava. Consegui apenas fixar sentado. Com muito custo, girei meu corpo, a fim de fitar o remanescente de meu recanto.
Sobressaltei ao fitar o que outrora fora minha casa. Por mais que eu, literalmente, sentido na pele a força do explosivo, nunca imaginaria que seu efeito em meu recanto seria tão assustador. Mal havia sobrado as paredes do quarto onde eu me encontrava. O teto ruiu junto das paredes e, por muita sorte, não me esmigalhou. Havia sobrado somente a parede oposta à que me encobriu. No resto da casa, mal havia sobrado pedaços de alguns móveis, enquanto as pequenas coisas foram praticamente desintegradas; as paredes, de pé se encontravam somente uma ou duas. Nada mais do que aquilo.
Pisoteando nos escombros de minha residência se encontravam dois peritos, cercado por vários policiais. Vendo-me fitar, sentado, minha outrora casa, um dos peritos caminhou em minha direção e parou de frente a mim.
- Tudo bom? – perguntou. Estendeu a mão direita, para me ajudar a levantar
Utilizei-me do apoio para ficar de pé.
- Fisicamente, creio que sim...
- Essa casa era sua? – o ERA dito pelo perito me fez sentir apunhalado no coração. Era triste ver seu recanto, aquele local onde você repousava seu corpo exausto todos os dias, partir repentinamente.
- Era, sim!
- Sabe o que aconteceu?
- Uma explosão! – respondi, seco. Doía falar sobre minha casa – Eu estava em casa e escutei um barulho. – continuei, sem o perito me pedir para isso fazer - Como estava sozinho, fiquei com medo e fiquei à espreita. Aí meu celular tocou, até achei estranho. É uma hora inconveniente para um celular tocar!
- De fato...
- Atendi-o, e alguém gritou para eu sair dali imediatamente. Em seguida, tudo veio abaixo e acordei agora!
- Entendo... – o silêncio reinou sobre o local por alguns segundos – Fiquei encucado com a história do celular!
- Eu idem! – respondi – Se meu celular ainda estiver funcionando, posso fornecer o número do telefone que me ligaram naquele instante!
- Eu adoraria! – disse o perito.
Com certa dificuldade diante o ranger constante dos ossos, abaixei-me e peguei o meu celular. Levantei-me, com a mesma dificuldade. Comecei a apertar algumas teclas no meu celular. Percebi a tensão no corpo do perito, preocupado em saber se meu celular ainda estava funcionando ou não. Virei a tela do celular para o perito. Continua um número: “86271892”, com DDD da cidade.
O perito anotou o número, pediu licença e caminhou de encontro aos demais que se encontravam no meu outrora recanto. Esperei-o voltar, fitando o grupo. Percebi a reação estupefata do perito, diante as palavras de um dos policiais, o que verificava a procedência do número telefone com seus equipamentos. Sobressaltei. O que seria que aconteceu?
Percebi no semblante do perito, enquanto este caminhava em meu encontro, que o mesmo se encontrava estupefato diante de algo. Preocupei-me, e fiquei ansioso. O que acontecera?, me perguntava em meu interior.
- O que aconteceu? – perguntei, de inopino.
- Esse número... é da Sra. Amanda Hanley!
- Não a conheço! – disse, meneando negativamente a cabeça
- E não era para conhecer mesmo. Era a antiga moradora desta casa, possivelmente muito antes de você!
- E por que eu não a conhecia de qualquer jeito?
- Ela foi assassinada em sua casa há, pelo menos, 50 anos...
Sobressaltei. Arregalei os olhos, tamanha surpresa. Fiquei estupefato. Como assim, a mulher que me ligou morreu há mais de 50 anos?!

domingo, 9 de outubro de 2011

Dias de dor de barriga

Todo dia é igual ao outro, você sempre reclama. Mas aquele dia que, no meio de sua estada na rua, resolve te dar aquela dor de barriga, você daria todos seus bens por aquele dia ser igual aos outros.
Tudo começa com aquela dorzinha localizada, logo acima da virilha e que depois vai se espalhando. Quando essa dorzinha começa a se espalhar, é sinal de que seu próximo destino será um banheiro. Mas não pode ser qualquer banheiro, tem que ser o banheiro de sua casa, logicamente. E você vai correndo de onde você se encontra até sua casa segurando-se para não fazer merda na rua, literalmente falando.
O caminho do local onde se encontra até sua casa é um martírio, um sacrilégio. Pelo menos, é quando você tem que sair correndo, segurando sua retaguarda para que a válvula de escape não funcione, por assim dizer. E você vai andando. Andando, não, correndo, porque ninguém anda nessas horas. Aliás, você também não pode correr, para que a válvula de escape não funcione erroneamente. O certo é dar passos rápidos e certeiros, sem andar devagar demais, nem correr. É uma corrida contra o tempo, a menos que queira ter sua imagem suja por um bom tempo. A imagem, e as calças...
Quando você está apertado para ir ao banheiro na rua é que você percebe como mora longe. Você pode morar do lado do local onde você se encontra, que sua casa ainda será longe. E cada segundo é precioso. Você vai andando acelerado, uma força descomunal na área da válvula para nada escapar. E como é impressionante que nessas horas aparecem milhares de pessoas para conversas. Aquelas pessoas que todo dia passam por você e só cumprimentam resolvem puxar conversa. Até parece que fazem de sacanagem... Emprestar o banheiro de suas casas que é bom ninguém faz, ajudar a segurar muito menos. A única coisa que eles seguram é você, para você não ir para casa. Como se já não bastasse sua casas estar longe...
A hora que você vai chegando à sua casa é pior, parece que sua cabeça sabe que sua casa está perto e manda recado para a válvula, avisando que é chegada a hora. Infelizmente, o recado chega cedo demais e você acaba tendo que dobrar a força na região para nada escapar.
Da hora que você abre o portão até a hora que você chega ao banheiro e abre a roupa são os momentos mais tensos. Você até soa, não de correr, mas sim de segurar. E quando você chega em sua casa, louco para entrar no banheiro e o mesmo está ocupado? E pode esmurrar a porta, ajoelhar pedindo pelo amor de Deus para a pessoa sair, que ela não sai, como se ela resolvesse fazer tudo o que pudesse justo naquele momento, como se também estivesse para zoar com sua casa. Até lalaricas, se deixar, a pessoa faz, justamente no momento em que você precisa entrar no banheiro. E você começa a se derreter em suor, anda de um lado para o outro, rodeando a porta do banheiro, em puro desespero. Quando a maçaneta da porta do banheiro mexe, você precisa até dobrar a força para se segurar. O corpo sabe que é chegada a hora. Aí é só correr em direção à sua felicidade, ou, pelo menos, ao seu alívio.
O último instante é o mais tenso. O corpo está no ápice, ensandecido, louco para eliminar tudo o que tem de direito, e você, desesperado, abrindo o zíper da calça e abaixando a roupa. É preciso muita força para não sujar o banheiro.
No final da história, tem-se uma cueca borrada (é impossível segurar a válvula de escape todo esse tempo sem nada liberar), uma privada lotada e um alívio no peito de um cidadão, que passou por um aperto do cão.
E não adianta ficar irritado ou tímido com o texto, que todo mundo já passou um dia de dor de barriga, pelo menos uma vez na vida...

sábado, 8 de outubro de 2011

As Palavras de um Anjo - PARTE II



Não deixe de ler a primeira parte desta história escrita por Rodrigo Picon antes de continuar.

Pouco tempo após a misteriosa ligação, estávamos na sala de espera do pequeno hospital de Jade. Clarinha não conseguia esconder a preocupação com o seu querido irmão. Isso se percebia no modo em que ela andava - de um lado para o outro freneticamente.

A enfermeira sai da sala do médico em direção à sala de espera.

- Clara, o doutor está à espera. - eu disse

Clarinha percebe a enfermeira chamar e logo caminha para o consultório. Eu e Stan resolvemos ficar do lado de fora esperando ela. Até porque não poderíamos nos envolver numa situação que não nos pertencia, a menos que Clara precisasse.

Após algum tempo, Stan vira para o meu lado e me pergunta:

- O que será que aconteceu com o irmão da moça, Dan?

-Uma história muito triste, meu caro amigo. Muito triste...

Contei da grave doença que o menino sofria e também da minha história com ela. Stan logo abaixou a cabeça e silenciou-se. Eu não consegui entender o porquê daquilo, mas, logo, naquela mesma posição, ele me disse algo que não sabia.

Eu sabia que seu pai tinha morrido há algum tempo, mas fiquei surpreso quando ele me disse a causa da morte, a mesma doença que o menino estava sofrendo. Sua voz ficou trêmula e seus olhos ficaram vermelhos, porém ele se segurou para não chorar. Isto dava-se para perceber.

- Sei como ela deve estar se sentindo, eu me lembro até hoje a luta de meu pai contra esta maldita doença.

Aquela situação mexeu comigo. Senti uma tristeza profunda por causa das palavras do meu amigo e também pela situação que Clarinha estava passando. Era difícil lutar contra uma doença tão grave e cruel.

A porta do consultório abre e logo Clarinha sai com os olhos cheios de lágrimas, o choro tinha tomado conta dela.

Levantei-me e fui em sua direção. Ela logo me abraçou forte. Naquele momento senti um vazio inimaginável, queria não acreditar na hipótese de que seu irmão tinha falecido. Uma lágrima escorre no meu rosto enquanto estava abraçado com ela, porém logo enxuguei com a manga da camisa, antes que ela percebesse. Não queria vê-la naquele estado e por isso tentava de todas as formas não me abater.

Levei Clara até uma cadeira onde podia se sentar e fui até o bebedouro para lhe trazer um copo de água. Ela logo disse algumas palavras:

- Ele está muito mal Dan, muito mal...

Naquela hora um peso saiu de dentro de mim, não porque me senti feliz com o que ela disse, mas sim por ainda haver alguma chance de o garoto lutar por sua vida.

- O que o médico disse exatamente?

- Que não há mais nada a ser feito, o estágio da doença avança a cada dia e meu irmão está muito debilitado para suportar os medicamentos .

Ela logo dá uma recaída e começa a chorar novamente. Coloquei o meu braço nos ombros dela e disse algo para tentar acalmá-la.

- Entendo como você está se sentindo.

- Não entende, Dan - disse meia descontrolada - Ele é o meu irmão, a única pessoa que tenho neste mundo. Depois que meus pais morreram, prometi para mim mesma que eu viveria unicamente para ajudar o meu irmão a sair dessa.

Ela abaixou a cabeça e as lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto e molhar o chão. Fiquei calado, sem conseguir ter reação ao que ela disse.

Stan, afastado, me faz um sinal de que estava indo embora. Fui até o encontro dele:

- Estou indo até o apartamento arrumar as minhas coisas, vou te esperar por lá para gente ir pegar o ônibus.

- Está bem cara. Daqui a pouco eu chego lá.

Ele nos cumprimentou e foi em direção a porta de saída.

Não sabia o que tinha que fazer para ajudá-la, mas sabia que algo tinha que ser feito. Sentei ao lado e cheguei bem perto do seu ouvido e disse com um tom mais sério:

- Então você vai desistir?

Ela me olhou surpresa.

- Não disse isso.

- Mas é isto que eu estou vendo em você agora, uma pessoa que desistiu de lutar.

Ela ficou sem reação e um silêncio tomou conta da sala.

-Deve ter algum lugar que possa fazer mais pelo seu irmão. O hospital aqui não tem uma grande estrutura e além do mais o doutor disse que não pode fazer mais nada, porém deve haver alguém em algum lugar que ainda possa. Não se abale agora. Ainda há chance de lutar.

Aos poucos, Clarinha ia se acalmando. Sentia-me melhor com isso.

-Eu estou do seu lado. Pode confiar em mim.

Segurei sutilmente sua mão e um sentimento difícil de descrever tomou conta de mim. Sentia uma mistura de calma e euforia ao mesmo tempo. Sua pele parecia que passava uma energia tão doce que me contagiava.

-Você está certo Dan, eu não vou desistir.

- É assim que se fala, moça! - disse, com um tímido sorriso no rosto

Saímos do hospital e já estava bem tarde. Deixei ela em sua casa e fui correndo até o apartamento. Abri a porta e vi um recado em cima da mesa. Cheguei mais perto e peguei para ler. Era do Stan. Ele tinha partido sem me esperar, pois tinha problemas em Cansul para resolver. Como eu tinha demorado, ele pediu desculpas de ter partido sem mim.

Além disso, bem embaixo da carta ele dizia, "cuide bem da moça Dan, ela precisará muito de alguém que incentive a continuar. Sei como é difícil o que ela está enfrentando. Abraços".

Resolvi ficar por aquela noite na cidade.

Fiquei hospedado no mesmo quarto que estava com Stan. Estava sentado em uma cadeira de madeira em frente a uma enorme janela que dava vista às belas montanhas que rodeavam a cidade. Aquela imagem era tão fascinante que me transportava para outro mundo. Porém sempre voltava para a realidade quando pensava em Clarinha. Queria ajudá-la, porém não me sentia em condições de fazer nada. Até que me veio uma ideia repentina. Será que ela toparia? Não sei dizer, mas era necessário arriscar.


Não deixe de ler a última parte desta história escrita por Rodrigo Picon 





terça-feira, 4 de outubro de 2011

O pernilongo

O pernilongo é uma criatura diabólica, não tem a menor condição de Deus ter criado uma criatura tão infernal – a menos que criou o pernilongo para punir Adão e Eva; assim, o verdadeiro castigo do casal por ter comido o fruto proibido não foi tirá-los do paraíso, foi mandá-los viver em um mundo lotado de pernilongos.

O pernilongo possui diversas características que percebemos dia a dia e que prova que o mesmo é uma criatura diabólica. São elas:

- INFINITO – você pode matar quantos pernilongos quiser, sempre terá, no mesmo lugar, normalmente momentaneamente, um porrilhão de novos. E eles sempre andam em bando, e você pode exterminar o bando inteiro, que em seguida aparecerá um novo

- USUÁRIO DE TELETRANSPORTE – só pode ser, só tem essa explicação. Você fecha sua casa inteira o dia todo, mata todos existentes, que sempre vai ter um bando novo dentro de sua casa. Eles passaram por onde? Não tem como. Só podem usar teletransporte.

- BARULHENTO – o pernilongo pode voar na China que você estará escutando-o.

- INVISÍVEL – pernilongo é invisível, única explicação plausível. Pelo barulho de seu voo, você descobre seu paradeiro de forma clara, olha para o ponto e, simplesmente, não tem nada no local. Além do mais, aparecem diversos calombos no seu corpo, sob suas vistas, e você não os viu picar. Tem outra explicação, a não ser que eles não invisíveis?

- CHATO – o pernilongo faz questão de lhe mostrar que está no local. Ele não se satisfaz em arrancar seu sangue e azucriná-lo com seu barulho infernal, o pernilongo tem que sobrevoar de rasante à sua volta, passar constantemente na sua frente, esbarrar no seu ouvido, entrar na sua boca, pousar nos seus olhos... eles querem a todo custo mostrar que estão no local e não basta só o barulho. E mais. Quando finalmente você os está vendo, não adianta mais, porque eles usam o teletransporte e você simplesmente erra o alvo. E pode matar também, logo um bando novo aparece para azucrinar sua vida...


domingo, 2 de outubro de 2011

Esses humanos



Sentado aqui no chão posso ver melhor o que se passa ao meu redor. É tudo tão confuso... Sempre tão confuso que chego a me perguntar se essa tal realidade em que vivo não é apenas um fruto podre da minha imaginação.
Passam-se as coisas, passam-se pessoas, passa-se o tempo e tudo cada vez pior. O que dizer disso tudo que me cerca?
As pessoas são apenas objetos na minha velha estante, ao lado dos meus discos de Heavy Metal, minhas cervejas e meus livros empoeirados...
No entanto, agora percebo tudo claramente. Não tenho sentimentos. Realmente acho isso muito estranho, porém, não irei relutar contra minha essência, quem dirá contra meus princípios.
A compreensão é difícil e o tempo ajuda a piorar. Outrora gelado e sozinho, ficava em um canto escuro do mundo. Agora, acompanhado e sorridente, em meio a muitas pessoas que não sei decifrar, não sei rotular ou mesmo, infimamente, imaginar o que estão pensando, me sinto enturmado a esses humanos.
Humanos que tentam me forçar a ser do jeito que eles são. Suas incertezas, suas ilusões e medos não me corroem. Essa fábrica de meras máquinas, de sentimentos mecânicos não me impressionam e só faz que eu perceba a dificuldade desses androides, mutantes, humanoides em ter uma opinião formada.
Mas eu não sou e não quero ser igual a quem me diz que sendo igual eu posso ser feliz. Defendo meus ideais sem ter por base conceitos previamente formados. Eu posso mudar e não hesitarei em fazê-lo.
Dir-te-á, sim!

Cuidado ao pensar



O delegado local recebeu uma chamada na casa de um genial filósofo: foi constatado que ele foi assassinado e, consigo, havia uma carta:
"Caro leitor, não quero culpar ninguém pela minha morte, mas eu cheguei ao cúmulo da loucura. Sou filósofo formado e já fiz inúmeras teorias sobre a sociedade, mas a última nem eu mesmo consegui tolerar.
Eu criei a teoria de que o liame das pessoas é a consequência de suas próprias ações. Quando você faz uma ação, desencadeia consigo diversas consequências não apenas em sua vida, mas na vida de todos; todos, sem exceção, não importando se é alguém ligado à pessoa que executou a ação ou se é um completo desconhecido.
Veja um exemplo para que você, caro leitor, possa entender melhor do que estou falando. Imagina que você, hoje, resolva comprar um pão a mais do que o número de costume. Como você comprou um pão a mais, alguém teve de comprar um pão a menos. Agora vamos imaginar que esse pão que faltou fosse para a filha do casal que foi comprar o pão e teve de comprar um a menos. A filha teve de ir para a faculdade com fome e seu pai lhe deu dinheiro para ela fazer um lanche, e ela comprou um salgado. Como ela comprou um salgado que não ia comprar, alguém que foi comprar depois dela ficou com fome, porque não tinha mais salgado para comer. Como ficou com fome, começou a ficar tonto e, ao dirigir para voltar para casa, acabou por se acidentar. Como ele se acidentou, ele ocupou o leito de um hospital que originalmente seria para outra pessoa. Essa outra pessoa, por não ter leito, não foi atendida e acabou por falecer na fila do hospital. Ou seja, pelo simples fato de você ter comprado um pão a mais, você, além de mudar a vida de inúmeras pessoas, acabou por matar uma pessoa. Isso tudo por causa de um simples ato de resolver comprar um pão a mais. Por isso, não podia mais carregar o peso de saber que, a cada ato por mim praticado, eu poderia estar até matando diversas pessoas, inclusive se suicidando, eu sei, mas se é para mudar a vida de todos, que fosse por uma única vez...

Depois de ter lido a carta e a entendido, o delegado não aguentou e se matou.

MORAL DA HISTÓRIA: Pensar demais enlouquece. Pense nisso!