domingo, 24 de junho de 2012

O Fim do Desacato





A proclamação da República fez surgir um novo Código Penal, atualizado de acordo com as novas ideias na esfera penal que surgiam com o republicanismo – como a extinção da pena de morte. Junto dessas novas ideias, e junto deste novo Código, fez surgir uma nova figura de crime, que outrora não existia, chamado Desacato, nos crimes contra a segurança interna da República.
TITULO II
Dos crimes contra a segurança interna da Republica
CAPITULO V
DESACATO E DESOBEDIENCIA ÁS AUTORIDADES
Art. 134. Desacatar qualquer autoridade, ou funccionario publico, em exercicio de suas funcções, offendendo-o directamente por palavras ou actos, ou faltando á consideração devida e á obediencia hierarchica:
Pena – de prisão cellular por dous a quatro mezes, além das mais em que incorrer.
Paragrapho unico. Si o desacato for praticado em sessão publica de camaras legislativas ou administrativas, de juizes ou tribunaes, de qualquer corporação docente ou dentro de alguma repartição publica:
Pena – a mesma, com augmento da terça parte.
” (na grafia original)
No dicionário, desacato significa “faltar com o devido respeito a; tratar com irreverência; menoscabar, desprezar, afrontar, vexar.”. O crime de desacato se configura com a falta de reverência a um funcionário público. E, como o crime de desacato tinha como proteção o bem jurídico “Segurança Interna da República” dava-se para perceber o devido respeito merecido pelos funcionários públicos no findar do século XIX.
Em 1940, com a extinção da aplicabilidade do referido Código Penal – que estava inserido na Consolidação das Leis Penais de 1932 - e com o nascimento de outro, elaborado durante a Era Vargas e promulgado pelo presidente Getúlio Vargas através do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, desapareceu parte do devido respeito aos funcionários, pois o crime de desacato passou a ter como bem jurídico apenas a Administração Pública, ao ser promulgado no Título XI, dos Crimes contra a Administração Pública, em seu artigo 331, assim transcrito:
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Ainda assim, como se pode retirar do transcrito acima, deveria haver respeito àqueles que prestam serviço à nação por parte da sociedade, e a lei protegeu penalmente sua honra – e, de um modo geral, a dignidade de toda a Administração Pública.
Entretanto, como é fato notório, a realidade mudou-se. A sociedade não possui o mesmo respeito aos funcionários públicos como existia em 1940, devido a diversos escândalos envolvendo-os – principalmente os políticos -, por não trabalharem na quantidade e qualidade exigidas, por agirem contrariamente aos interesses populares, dentre vários outros motivos. Hoje, a sociedade enxerga os cargos públicos, de modo geral, como “cabide de emprego”, onde “as pessoas só recebem”. Não se há como, hoje, exigir-se da sociedade o mesmo respeito aos funcionários públicos como outrora, deixando, assim, de a honra dos funcionários públicos deixar de ser bem jurídico a ser tutelado penalmente.
E mais, nos dias atuais, os funcionários públicos blindam-se de críticas negativas por parte da sociedade através da utilização do Art. 331, fazendo a sociedade, a maioria leiga, silenciar-se a fim de prevenir-se da prisão, o que acaba por violar, claramente, a liberdade de expressão transcrita como direito fundamental pela Constituição, em seu Art. 5º, IX, que deve-se entender inviolável. Não há motivos para censurar o povo ao criticar negativamente o serviço de um funcionário público, pois este recebe o seu salário ou subsídio dos cofres públicos, e o dinheiro contido neste vem do bolso das pessoas que compõem a sociedade – em suma, seria como o povo fosse o patrão, e o funcionário público seu empregado. Censurar o povo nesse quesito é uma violação grave à liberdade fundamental, transcrita em nosso ordenamento jurídico como direito fundamental – e, por consequência, inviolável.
Por fim, nos dias atuais, o ato de desacatar público não é mais mal visto pela sociedade, sendo este um dos pilares para uma conduta ser considerada delituosa, quebrando, assim, o princípio da ultima ratio que reina o Direito Penal. Hoje, acredita-se do contrário. Como a sociedade tem a visão de que todos os funcionários públicos, por recebem seus respectivos salários ou subsídios, dos cofres públicos – e, portanto, creem na ideia de que os funcionários públicos são seus “empregados”, acha-se muito mais nocivo à sociedade como um todo o funcionário publico que, utilizando-se da função que exerce, falta com respeito para com alguém do povo. Um grande exemplo é um policial que, ao fazer uma diligência, acaba por humilhar um cidadão do povo por este ter a pele do corpo mais escura que a do militar. Esta conduta, sim, é repudiada pela sociedade de forma grave, e, por consequência, deveria ter a honra do cidadão protegida pela esfera penal de forma mais intensa quando ferida por funcionário público. Deveria ser acrescido aos crimes cometidos por funcionário público contra a Administração Pública (Capítulo I, Título XI), o seguinte artigo, junto da revogação do atual Art. 331:
Art. 326-A. Desacatar alguém o funcionário público no exercício de função ou em razão dela:
Penal – detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Parágrafo Único. Aumenta-se a pena em um terço se cometido por funcionário público em cargo de um dos Poderes da União ou munido, por seu cargo, de arma

O artigo se encontra nos crimes contra a Administração Pública praticados por funcionário público e não nos crimes contra a honra (Capítulo V, Título I) por, ao funcionário público desacatar um cidadão do povo utilizando-se de seu cargo, este retira a devida dignidade da Administração Pública perante a sociedade, que passa a descrê-la com mais intensidade.
Desta forma deveria ser o Código Penal nos dias atuais, a fim de saciar-se das mazelas criadas pela desatualização social da lei.




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